quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Resistência ao Império Romano: As Candaces


As Candaces ocuparam  o poder  militar e civil do Império Méroe, Núbia e Sudão através  de uma dinastia de mulheres negras africanas e significava estabilidade e continuidade. Ocupavam–se da formação de novas gerações, consideradas “jovens da essência divina”; realizavam rituais para investir poderes em suas sucessoras para continuidade do Reino – por exemplo era papel das Candaces a coroação e a adoção da nora, para ampliar e assegurar a continuidade do Reino aportando sangue novo, sem perder as tradições nem as origens.

As Candaces realizavam a coroação de seus próprios filhos em seus postos de realeza; participavam da escolha do Rei e das cerimônias de transmissão de poderes; em cerimônias rituais  com símbolos de realeza,  poder. O sistema que garantia a existência das Candaces era um sistema local dotado de uma organização tradicional que se renovava  no interior da realeza Cush.O Império Méroe localizava-se ao sul do Egito, banhado pelo Rio Nilo.  Estas  guerreiras nasceram sob o signo da coragem para ocupar posição de poder e prestígio. Numa  conexão com as tradições matriarcais da África, reinavam sobre seu povo por direito próprio, e não da qualidade de esposas. 
Viviam o apogeu de uma era de esplendor e fartura, abençoadas pelo grande rio e impulsionadas pelo comércio com o Oriente Médio. A localização do império permitia um intenso intercâmbio com outros povos – hebreus, assírios, persas, gregos e indianos. Em suas terras, ricas em ferro e metais preciosos, ergueram-se pirâmides e fortalezas. 
Seus exércitos usavam armas de ferro e cavalaria, ferramentas e habilidades herdadas dos povos núbios, que lhes davam vantagem no campo de batalha. A idolatria daquela civilização pelos cavalos era tanta que estes animais eram enterrados junto com seus guerreiros, para servi-los por toda a eternidade. Esta imagem, misto de homem e cavalo,


alcançou a Grécia, inspirando o surgimento da figura mitológica do Centauro. Na religião, cultuavam Apedemek, Deus da guerra e da vitória, representado por um homem com cabeça de leão. 
A prosperidade de Meroe, que deu prosseguimento ao domínio Núbio na região, atraiu a ira dos senhores do mundo, o Império Romano. Aqui tem início o episódio que marcou a história das Candaces. 
Líderes de um movimento de resistência contra o poderio bélico dos invasores, enfrentaram o forte exército, aliando técnicas de guerrilha e diplomacia. Uniram seu povo na luta contra o jugo romano movidas pela sede de justiça e liberdade.Após a invasão de Petronius, a Rainha Candace esperou que as tropas do general adormecessem e os surpreendeu com um ataque. Este movimento abriu a possibilidade para uma negociação diplomática, comandada pela soberana negra. O resultado foi a retirada dos soldados romanos e a demarcação do território de Meroe, devolvendo a paz ao seu povo. Assim foi escrito o mais importante episódio que marcou a nobre dinastia de guerreiras naquele império africano. 
Mas os exemplos de comando e resistência de bravas negras continuaram a florescer por outras eras e civilizações. Para além de seus próprios domínios, emergiu a saga das Candaces, Rainhas-Mães que se fizeram deusas, reinando na crença de suas descendentes espalhadas pela Terra, porta-vozes da sua luta por toda a história. 

Com a escravidão da modernidade, rainhas e princesas de tribos e reinos se viram obrigadas ao trabalho forçado no novo mundo. Mas foi ali que fizeram multiplicar o sangue Candace. Em uma terra tão distante, ligadas ao passado, mulheres negras geraram o valor da bravura herdada de suas ancestrais. 
A palavra liberdade ganhou um significado mítico no Brasil, dando um novo sentido à vida levada entre a clausura e o trabalho forçado. A bravura da dinastia Candace foi eternizada pela tradição oral africana, que tratou de espalhar aos quatro cantos os grandes feitos das suas soberanas, inspirando a luta de guerreiras que subverteram a força dos seus senhores e lutaram pela liberdade. 
Para elas, ser livre era também reverenciar seus costumes, reviver o passado soberano, encenar a memória dos seus antepassados. Em folguedos, foram eternizadas na glória real da corte negra. No novo continente, há o despertar para o misticismo trazido do outro lado do Atlântico. A construção da identidade africana no Brasil encontra nas celebrações e ritos toda uma reverência à mulher como mediadora entre os deuses e a humanidade. 
Na Bahia, as escravas ganhadeiras vendiam o excedente de produção em feiras e mercados como em sua terra natal. O lucro era poupado para comprar suas alforrias e a dos maridos, tornando-as mulheres com voz ativa. 
No chão brasileiro, era revivida a tradição das feiras iorubanas, um espaço não só para trocas de mercadorias, mas também para trocas simbólicas. A mulher concentrava o poder de fechar negócios, disseminar notícias, modas, receitas, músicas, e, sobretudo, aconselhar. 
Assim, tornaram-se as grandes mães negras, sacerdotisas que tiveram suprimido o poder real na África, mas que passaram a exercer o poder espiritual no novo mundo. 


Fontes: 


Adaptado da Peça teatral "Candaces: A reconstrução do fogo" de Marcio Meirelles. Cia dos comuns,2003.
dianacostaeduhistoria.blogspot.com/..

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