domingo, 16 de junho de 2019

A Revolução de São Domingos: O Haiti e a Revolução Francesa

A escravidão não esteve no centro dos debates de São Domingos até 1791, quando uma grande revolta escrava fez a classe proprietária perceber que os ideais de liberdade foram compreendidos também pelos negros escravizados. Embora a sociedade discutisse o abolicionismo nas colônias francesas desde 1788, a primeira grande revolta contra a escravidão surgida na esteira da Revolução Francesa só ocorreria de fato no verão de 1791. 
Um apelo público atribuído a Toussaint L’Ouverture, general dos exércitos do rei, mas também escravo de uma plantation, rompeu com a submissão aos monarcas espanhóis ainda em 1793, e defendeu princípios da República e da emancipação.


(Toussaint L'Ouverture e  J.J. Dessalines: líderes da Revolução em São Domingos)

A maré revolucionária estava prestes a mudar e a incluir a luta pela abolição imediata. O apelo do líder dizia:
”Irmãos e amigos sou Toussaint L’Ouverture, talvez conheçais meu nome. Quero que a liberdade e a igualdade reinem em São Domingos. Trabalho para que isso aconteça. Uni-vos a nós irmãos, e lutai conosco pela mesma causa.
os líderes negros deram um passo rumo à independência. A ascensão política de Napoleão Bonaparte, em 1799, mostrou os limites da revolução negra em São Domingos, pois, enquanto Napoleão adquiria notoriedade na Europa, Toussaint projetava um governo centralizado e militarizado: não proclamou a independência de São Domingos, mas se auto-proclamou governador vitalício da colônia, em 1801. Para o governo napoleônico, este passo foi largo demais...Napoleão enviou ao Caribe uma expedição para a reconquista de São Domingos e, ainda que não se divulgasse abertamente, seu governo inclinava-se à restauração da escravidão nas colônias, o que de fato ocorreu em 1802. Neste mesmo ano, Toussaint foi preso pelas forças napoleônicas estacionadas em São Domingos e deportado para França, onde morreria na prisão, no ano seguinte.
A tentativa francesa de recuperar São Domingos atingiu níveis de extermínio que anteciparam as guerras coloniais da época posterior. Os generais negros e mulatos que herdaram a liderança de Toussaint  (J.J. Dessalines, H. Christophe e Pétion, entre outros) nomearam Dessalines como comandante-em-chefe e conduziram a luta contra os franceses até a vitória negra. Em 1° de janeiro de 1804 foi proclamada a República do Haiti e Dessalines (um ex-escravo, como Toussaint) foi nomeado governador-geral.
 Nas primeiras décadas do século XIX, o Haiti despontou como o primeiro Estado das Américas a conquistar a independência e a garantir, ao mesmo tempo, o fim da escravidão. A consolidação do poder negro na ilha inspirou revoltas escravas em Cuba, Estados Unidos, Jamaica e Brasil, promovendo o temor contínuo entre propietários de plantations e autoridades de diversas regiões da Afro-América.
Os caminhos desse Estado negro no período pós-independência oscilaram entre os projetos de reconstrução do sistema produtivo e as alternativas de autonomia oferecidas pela pequena propriedade. Dessalines, que governou até ser assassinado, em 1806, liderou um processo de confisco das propriedades francesas  e anunciou o plano de distribuir terras aos veteranos revolucionários. Impôs também quotas de trabalho aos lavradores, mas a economia enfraquecida pela guerra e por uma burocracia desorganizada gerou poucos resultados comerciais. Após a morte de Dessalines, o país foi dividido em dois. Alexandre Pétion passou a governar o sul nos moldes da República, enquanto Henri Christophe (também ex-escravo) assumiu o controle do norte da ilha, onde se fez coroar rei. Para Christophe, apesar do isolamento, o Haiti precisava recuperar a capacidade produtiva: os engenhos foram submetidos a uma rigorosa disciplina de trabalho, com coordenação estatal da economia. Como saldo desta experiência, a severidade do regime trouxe  sucesso econômico, mas  contribuiu para o isolamento de Christophe no poder e para a revolta interna que o derrubou, em 1820.


(Suzanne Sanité Bélair, heroína da revolução Haitiana e em 2004, apareceu na nota de 10 gourde, para a série comemorativa do "Bicentenário do Haiti".)

Nesta época, a alternativa de governo surgida no sul republicano tornou-se dominante no Haiti. Primeiro com A. Pétion, e depois sob a liderança do Presidente Boyer, os planos de distribuição de terra conquistaram apoio popular. O sistema agrícola da República como um todo passou a basear-se em uma combinação de minifúndios de camponeses e latifúndios operados por fazendeiros arrendatários. Para o antropólogo Sidney Mintz, o Haiti ingressou neste momento no sistema de pequena propriedade camponesa auto-suficiente. Assim, o sonho do Estado negro moderno, envolvido em relações comerciais de âmbito internacional, teria naufragado, pois a população liberta   desejava terra. A terra, mesmo que em parcelas mínimas, revestia-se de significados poderosos para uma nação formada, majoritariamente, por homens e mulheres recém-saídos da escravidão: a terra era simbolicamente a morada dos ancestrais para os afro-descendentes, principalemente neste período, tanto quanto um recurso contra a privação. Assim o Haiti tornou-se, lentamente, o país mais profundamente camponês do Caribe.
O Haiti não foi o primeiro estado americano a se tornar independente, mas seguramente foi o primeiro a afirmar a liberdade civil de seus habitantes. O conteúdo emancipacionista da independência haitiana foi sintetizado por R. Blackburn: “Parte da grandeza da extraordinária Revolução Francesa consiste em ter vindo  patrocinar a emancipação dos escravos ...; e parte da grandeza da extraordinária  Revolução de São Domingos/Haiti  é que teve sucesso ao preservar as conquistas da Revolução francesa contra a própria França”.  


OUÇA TAMBÉM:

https://anchor.fm/fabola-lendo-histria/episodes/A-Revoluo-de-So-Domingos-O-Haiti-e-a-Revoluo-Francesa-e27jghg

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FONTES:

VAINFAS, Ronaldo.[Et. al ]Componente curricular: História. 2ª edição. São Paulo. 2013
VIANA, Larissa: A Independência do Haiti na Era das Revoluções In:
http://anphlac.fflch.usp.br


 LEIA MAIS:

https://almapreta.com/sessao/quilombo/conheca-quem-foram-as-mulheres-por-tras-da-revolucao-do-haiti

https://www.historia.uff.br/stricto/td/2308.pdf

http://www.periodicos.ufc.br/amerindia/article/download/1380/1286

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Identifique e as principais similaridades entre a Revolução no Haiti e a Revolução Francesa: