sábado, 22 de agosto de 2020

Uma vaga democracia entre 1961 e 1964

 

Sete meses depois de assumir a presidência da República, Jânio Quadros apresentou sua renúncia em 25 de agosto de 1961. Seus ministros militares criaram um impasse em reconhecer a vice-presidência de João Goulart e viram no fato uma oportunidade de impedi-lo pelas razões da segurança nacional. Formou-se dentro e fora do parlamento uma crise institucional com tentativas de golpe.

Entre as tentativas de golpe investidas por setores militares e conservadores contra o presidente João Goulart, se deu contra forte mobilização popular, entre elas,  campanhas como a da Legalidade na disputa entre o presidencialismo e o parlamentarismo. Este último diminuiria os poderes políticos de João Goulart.

As primeiras semanas do governo João Goulart foram dedicadas à formulação de seu programa, que colocavam como pontos centrais a defesa de reajustes salariais periódicos compatíveis com os índices inflacionários, da política externa independente, a nacionalização de algumas subsidiárias estrangeiras e as chamadas Reformas de Base (Agrária, Bancária, Administrativa, Fiscal, Eleitoral e Urbana).

Essas diretrizes foram delineadas através da atuação de João Goulart e da pressão dos movimentos sociais por reformas. Mas a prerrogativa constitucional, com maioria conservadora, exigia indenização prévia em dinheiro para reforma agrária em terras desapropriadas e a defesa deste ponto de vista não era partilhado pelos nomes de seu ministério, o que demonstrava dificuldades diante da política de alianças sobre a qual se baseava o governo.

 Com o objetivo de melhor responder essas questões, o governo de Goulart encarregou o Ministro da Agricultura de organizar um grupo de trabalho destinado a elaborar um anteprojeto sobre o assunto. Durante a fase inicial, o grupo de estudos atendeu a orientação conciliadora do gabinete, discutindo soluções alternativas com emenda constitucional que previa o pagamento em títulos da dívida pública para ruralistas. Outra iniciativa do governo em relação ao estudo para a implantação da reforma agrária foi à criação, em abril de 1962, do Conselho Nacional de Reforma Agrária integrado por Dom Hélder Câmara, Pompeu Acióli Borges, Paulo Shilling e Edgar Teixeira Leite. Essas iniciativas, no entanto, mostraram-se pouco frutíferas, em virtude das dificuldades existentes para a concretização das medidas. As discussões giravam em torno da alteração do artigo 141 da Constituição, que previa o pagamento de indenização prévia em dinheiro para desapropriações por interesse público. As forças de esquerda defendiam desta emenda constitucional com o pagamento em títulos da dívida pública, mas os grupos conservadores não aceitaram. Era o processo de construção de uma modernização conservadora que se configurava.

Surgia assim uma significativa violência no campo. A possibilidade de um retorno da política varguista, ou de seus sucessores vinculados ao PTB para destruir, definitivamente, o mundo do mandonismo rural e a velha tradição que regulava com exclusividade as relações sociais no campo, com os ruralistas impulsionados no armamento de milícias, partidos e de polícias, na violência contra os camponeses.  

Para amenizar esta relação de poder com as formas tradicionais de exploração, o governo começou a colocar em questão as condições dos camponeses, e alguns  proprietários rurais passaram a entender que a CLT( Consolidação das Leis Trabalhistas), poderia ser  um instrumento de modernização operada pelo Estado.

 

Mas não foi suficiente, pois, desde 1961 havia uma agudização das crises de abastecimento, inflação alta e parcelas das camadas médias urbanas pressionavam o governo para pôr em prática uma política de controle eficiente de preços e aluguéis que estancasse a perda crescente de poder aquisitivo. Simultaneamente, o jovem proletariado industrial brasileiro exigia aumentos salariais que repusessem o valor real do salário. O primeiro passo em direção as reformas de base foi o Estatuto do Trabalhador Rural, aprovado apenas em 1963 como produto direto da criação em 1962 da SUPRA – Superintendência de Política Agrária, que estendia aos trabalhadores do campo  garantias e direitos usufruídos pelos trabalhadores urbanos, retomando medidas adotadas por Getúlio Vargas em 1944 e 1945. O teor básico do Estatuto do Trabalhador Rural consistia em assumir as teses referentes à generalização do assalariamento no campo, e ao invés da redistribuição de terras,  a extensão dos direitos trabalhistas.

 

Os partidos políticos que estiveram em cena contra estas medidas e contra uma maior intervenção do Estado na economia – estavam os liberais da UDN, partido urbano, de feições modernas, defensor dos interesses empresariais, e uma parcela do PSD, mais conservador, com bases rurais profundas no nordeste e em Minas Gerais, e temiam a iniciativa de reforma agrária do governo reformista de João Goulart.

 Temia-se particularmente a extensão de direitos trabalhistas e sociais aos assalariados do campo, temendo  junção entre trabalhadores urbanos e rurais que lutavam pelas chamadas Reformas de Base.

No entanto, os planos governamentais dos ruralistas escondia também uma política de indenização aos grandes proprietários. Assim, a CRC – Companhia de Revenda e Colonização de Terras do Estado de Pernambuco teve por meta, assentar mil colonos por ano, o que lhes assegurava uma existência mínima de dois séculos, dado que a comissão encarregada de localizar engenhos para expropriação, mediante pagamento imediato, estava constituída de um representante do Estado, um da CRC e um dono da terra. Em suma, mesmo anunciando este tipo de reforma agrária, conseguia-se indenizar os proprietários falidos. Um exemplo disso se refere a um lote de terra que em moeda deste período,  e avaliado no máximo  por Cr$ 6.000.000,00 era comprado pela CRC por no mínimo Cr$16.000.000,00.

Bloqueado o caminho inicial no Congresso Nacional, através dos projetos regionais de desenvolvimento, Celso Furtado, ministro de planejamento em 1962, elaborou  bases para o Plano Trienal, que, no tocante à agricultura, propunha: A imunidade de pagamento de renda sobre a terra economicamente utilizada para o trabalhador que, durante um ciclo agrícola completo, tivesse ocupado terras virgens e nelas permanecido sem contestação; Garantia de terras para trabalhar, ou de trabalho para o trabalhador agrícola foreiro ou arrendatário, por dois ou mais anos em uma propriedade; Imunidade de pagamento de renda sobre a terra para o trabalhador que nela auferisse rendimento igual ou inferior ao salário mínimo a ser fixado regionalmente; desapropriação para pagamento a longo prazo, de todas as terras consideradas necessárias à produção de alimentos que não  estivessem sendo utilizadas ou que o estivessem sendo utilizada para outros fins.

 No entanto, diante do impasse entre a direita e a esquerda com projetos antagônicos, com demandas sociais a beira do abismo, a ampliação da cidadania só poderia ser vista como crise entre o Estado e os segmentos sociais que tradicionalmente controlavam a riqueza do país. A incorporação dos trabalhadores rurais, entendida pelo Estado e pelos setores reformistas com a extensão da legislação social ao campo, constituiu a crise política da década de 60. É no nordeste, e em especial na zona canavieira, que a questão agrária se tornou mais crítica. A desigualdade que separava o trabalhador rural do trabalhador fabril estava esgarçada. Ao mesmo tempo, a exigência técnica da produção e da concorrência internacional, numa economia cada vez mais competitiva, implicava corte de gastos e de representação apenas conservadora e liberal para investir na modernização dos processos produtivos. Estes segmentos dominantes do mundo rural preferiram, contudo, aplicar a solução antiga: a produção extensiva da terra e submissão do trabalhador rural. Foi no nordeste que se concentrou o mais baixo índice de incorporação de tecnologia à agricultura. Era mais fácil explorar mão-de-obra abundante do que investir capital na modernização das suas usinas. Era a continuidade do escravismo colonial em tempo presente.

Só quando são tomadas medidas drásticas contra a superexploração, é que os usineiros procuraram investir em máquinas e equipamentos. Por isso, para completar as Reformas de Base, estas deveriam ser enviadas ao Congresso Nacional que incluísse um projeto de Reforma Agrária. No entanto, a violência se aguçou. As polícias políticas ganharam força como na criação do DOPS e na ampliação de seus procedimentos, ações armadas contra movimentos sociais, investigação e infiltração, que  foram organizadas como braço armado do Estado em diversos estados e ganhou força política na então Capital política do Rio de Janeiro sob a liderança de Carlos Lacerda.

 

Esta  crise da democracia se agravou e o presidente da República João Goulart, fez um último comício na estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde se encontrava ao lado de Miguel Arraes e Leonel Brizola. Neste discurso, Goulart prometera erradicar do País a “estrutura economia superada, injusta e desumana existente”. A proposta do presidente era que “não era lícito manter terra improdutiva por força do direito de propriedade”. O comício fazia parte de uma estratégia de João Goulart no apelo as massas urbanas para pressionar o Congresso em direção as reformas. O projeto de Reforma Agrária não chegou a ser votado. Era tarde demais. Na madrugada deste mesmo dia, entre 31 de março e 1º de abril de 1964, os tanques do exército estavam nas estradas de Minas Gerais e Pernambuco, sob a conspiração dos governadores Magalhães Pinto – MG, Carlos Lacerda – RJ, Ademar de Barros – SP, e amplo apoio dos Estados Unidos que em aliança, derrubaram a  frágil democracia vigente com uma população rural e urbana sem condições de contrapor aos projetos dominantes.

 

 

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Anos JK

 

O Brasil de 1950 a 1960, a questão agrária se apresentava como empecilho ao desenvolvimento. Apenas o eixo Rio-São Paulo era desenvolvido, com benefícios sociais para grupos restritos, mantendo baixos índices de produtividade agrícola e favorecendo a migração de trabalhadores do campo para a cidade. Os recursos de produção eram poucos com a crise de abastecimento e havia dificuldade para o desenvolvimento nacional com a ausência de reforma agrária.

Por isso, no início do governo de JK, tivemos três eixos propostos: a criação de uma rede de centralização  efetiva dos comandos – expressa na colaboração  de um plano de desenvolvimento para integrar a agricultura, a indústria pesada e a emergência das massas; a afirmação  da empresa pública  como fator  de dinamização  do desenvolvimento – face a fragilidade  da empresa privada nacional  diante das tarefas  impostas pelo salto industrializante; a fundação  de um banco  de investimentos (o Banco  Nacional de Desenvolvimento Econômico - BNDE) – constituído  enquanto agente  do tesouro para as operações  financeiras  de longo prazo previstas pelo plano de Reaparelhamento Econômico  nova articulação  entre empresários e Estado não  mais  nos moldes corporativistas de representação vigentes até então.

JK lançou o Plano de Metas, quando o país ingressou em sua uma estrutura monopolista específica que articulou a multinacional, a empresa privada nacional e a empresa pública rompendo com  a orientação política econômica anterior com setor industrial privilegiado pelo Estado; com novas estratégias de financiamento para a industrialização brasileira, em lugar da ênfase aos empréstimos públicos externos.

Abrindo-se mão de projeto de desenvolvimento nacional autônomo, internacionalizou-se a economia.

No entanto, o governo de JK consolida o processo de modernização conservadora, com aumento de concentrações urbanas da região Centro-Sul concentrando ainda mais a riqueza nos setores industrializados e do monopólio da terra.

Como solução, propôs uma Reforma Agrária  com acesso aos trabalhadores agrários à propriedade, de modo que se evitasse a proletarização das massas rurais. Dessa forma anunciou alguns anteprojetos encaminhados  pela Comissão Nacional de Política Agrária dispondo  sobre a redistribuição da terra adequada ao reabastecimento dos centros de consumo ou beneficiada por obras públicas com arrendamento compulsório.

Quando JK anunciou a intenção de impulsionar uma Reforma Constitucional(Administrativa, Agrária, Previdenciária,  e do Crédito rural) com anteprojetos  que seriam levados dentro de dois ou três meses ao Congresso Nacional, as dificuldades políticas, apesar dos esforços de apoiar a “ala moça” do PSD, que o ajudou  a eleger-se, afim  de fazer face  aos caciques do partido, como Benedito Valadares e outros, a política do possível parece ter  sido a de conseguir da facção ruralista uma posição de neutralidade diante do programa de Metas, em troca da conservação  das relações sociais no campo. Daniel Faraco, do PSD-RS presidente da Comissão Econômica da Câmara anunciava: “enquanto eu for presidente desta Comissão, nenhum projeto de Reforma Agrária passará por aqui.”

Pouco depois, o Governo habilmente canalizou as frustrações reformistas para medidas indiretas como a Operação Nordeste - sua meta 31 - que enfrentou a questão agrária através da integração regional reduzindo ou neutralizando números na representação nordestina que persistia no poder.

Lançou em 1958 a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste- SUDENE, configurando um sistema cooperativo entre União, estados, os municípios e empresas privadas, com a finalidade de promover aplicação  de incentivos com o desenvolvimento da região.

Aproveitando a vinda  dos governadores dos Estados do Nordeste ao Rio  em busca de auxílio do governo federal, JK convocou uma reunião no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, ao qual compareceram  autoridades do clero e parlamentares nordestinos. Durante o encontro, JK anunciou seu objetivo de criar uma comissão para coordenar o auxílio ao Nordeste, constituída pelos ministros da Fazenda, do Trabalho, da Saúde e da Viação  presidida por este último.

Devido ao Estado de emergência configurado, JK seguiu para o interior do Ceará. Nesta época, já havia um grupo de trabalho composto por vários técnicos, entre os quais, Israel Klabin, Luís Carlos Mancini e Celso Furtado, este último, membro da CEPAL - Comissão Econômica para América Latina, criada em 1948, com sede em Santiago do Chile, para pensar os caminhos de desenvolvimento para o continente. Logo, a CEPAL tornou-se um centro de reflexão sobre desenvolvimentismo  na América Latina, isto  e formulou o desenvolvimento  industrial latino americano, sugerindo para isso, o rompimento com aquela divisão internacional do trabalho. O brasileiro Celso Furtado esteve na CEPAL desde os seus primórdios e é considerado o principal articulador e propagador do pensamento cepalino e estruturalista no Brasil.

O grupo de trabalho funcionava no BNDE com a incumbência de estudar as medidas a serem tomadas para solucionar os problemas no Nordeste. Considerando a necessidade da implantação da industrialização e da agricultura irrigada na região, o governo se propôs a criar infra-estrutura necessária. A industrialização seria, no entanto, muito mais contemplada do que a agricultura. Quanto a agricultura, a expulsão dos camponeses foi umas das consequências.

Para JK, como os debates  entre os integrantes  do grupo de trabalho responsável  pela política desenvolvimentista a ser implementada no Nordeste não progrediam com a devida rapidez, principalmente em função das interferências de Aluísio Alves, que fora eleito governador do Rio Grande do Norte, ele propôs  em fins de 1958 uma reunião  com os governadores da região. Durante o encontro, expôs as linhas centrais  da mensagem  que enviara ao Congresso em fevereiro, sugerindo a criação de um órgão  centralizador capaz  de promover  o desenvolvimento do Nordeste. Por essa época, um grupo de técnicos, por sugestão de Sete Câmara, já cogitava na utilização de incentivos fiscais para canalizar recursos para a região. Em abril do ano seguinte seria criado o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste- CODENO, órgão que daria origem  a SUDENE, criada  em 15/12/59.

Ainda em meados de 1959, em reunião  ministerial convocada por JK, foi elaborada uma nota esclarecendo  a opinião pública sobre as agitações que perturbavam  o status quo. Na ocasião, os ministros militares, o do trabalho e o da justiça, foram incumbidos  de coordenar um plano de prevenção e repressão dos movimentos contestatórios, identificando em Leonel Brizola e João Goulart  conspiradores  contra a ordem pública.

O anteprojeto de lei para a criação da SUDENE teve difícil tramitação no Congresso. Além da resistência à nomeação de Celso Furtado para àquela superintendência por não constituir  elemento representativo das oligarquias regionais, ocorreram tentativas de esfacelamento do plano de forma a serem preservadas as tradicionais áreas de domínio político. Foi nesse sentido que Argemiro  Figueiredo, relator  da matéria  no senado, propôs com êxito que o Departamento Nacional de Obras contra a Seca – DNOCS, fosse desmembrado da SUDENE. Apesar desses obstáculos, a lei que instituiu a SUDENE foi sancionada por JK em 15/12/59. Este órgão, ditado de recursos próprios e diretamente subordinado a presidência, tinha por objetivo promover o desenvolvimento do Nordeste, sendo a industrialização da área uma das principais propostas para a absorção do amplo contingente de mão-de-obra nordestina em condição  de desemprego. Para  a  SUDENE, foi instituído o sistema de incentivos fiscais, tendo em vista canalizar capitais  para aquela região.

Foi crescente a participação militar na vida nacional do período. A criação do Serviço Agropecuário (SEAPE) visava incrementar a produção  agrícola, como iniciativa do exército, e foi amplamente criticado pela oposição  como medida intervencionista. Também nos cursos  e seminários promovidos pelo ISEB, foi flagrante a presença  de oficiais do EMFA.  A ESG, foi ampliada para a criação dos cursos de segurança nacional e de informação, tornando-se mais uma órgão vigilante no período considerado democrático  sob os limites da segurança e da vigilância. Aliado da Guerra Fria e do medo do comunismo em nível internacional, armavam-se também contra o “terrível mal” da América Latina com a Revolução cubana em 1959.

Nos primeiros dias de fevereiro de 1960 em reunião  com os governadores dos estados e territórios da região norte, JK anunciou o início da colonização  das margens da Rodovia  Belém-Brasília e, propôs a construção da Brasília- Acre, providenciando  em seguida a criação  de uma comissão no DNER para proceder a este empreendimento ao qual seria concluído em dezembro.

Diante da tensão reinante no cenário político, em 1959, reforçada pelas Ligas Camponesas, que insistiam na Reforma Agrária, bem como as inúmeras greves que vinham sendo deflagradas, e o governo chegou a ameaçar a decretação de estado de sítio.