Sete meses depois de assumir a presidência da República,
Jânio Quadros apresentou sua renúncia em 25 de agosto de 1961. Seus ministros
militares criaram um impasse em reconhecer a vice-presidência de João Goulart e
viram no fato uma oportunidade de impedi-lo pelas razões da segurança nacional.
Formou-se dentro e fora do parlamento uma crise institucional com tentativas de
golpe.
Entre as tentativas de golpe investidas por setores militares
e conservadores contra o presidente João Goulart, se deu contra forte mobilização
popular, entre elas, campanhas como a da
Legalidade na disputa entre o presidencialismo e o parlamentarismo. Este último
diminuiria os poderes políticos de João Goulart.
As primeiras semanas do governo João Goulart foram dedicadas
à formulação de seu programa, que colocavam como pontos centrais a defesa de
reajustes salariais periódicos compatíveis com os índices inflacionários, da
política externa independente, a nacionalização de algumas subsidiárias
estrangeiras e as chamadas Reformas de Base (Agrária, Bancária, Administrativa,
Fiscal, Eleitoral e Urbana).
Essas diretrizes foram delineadas através da atuação de João
Goulart e da pressão dos movimentos sociais por reformas. Mas a prerrogativa
constitucional, com maioria conservadora, exigia indenização prévia em dinheiro
para reforma agrária em terras desapropriadas e a defesa deste ponto de vista
não era partilhado pelos nomes de seu ministério, o que demonstrava
dificuldades diante da política de alianças sobre a qual se baseava o governo.
Com o objetivo de
melhor responder essas questões, o governo de Goulart encarregou o Ministro da
Agricultura de organizar um grupo de trabalho destinado a elaborar um anteprojeto
sobre o assunto. Durante a fase inicial, o grupo de estudos atendeu a orientação
conciliadora do gabinete, discutindo soluções alternativas com emenda
constitucional que previa o pagamento em títulos da dívida pública para
ruralistas. Outra iniciativa do governo em relação ao estudo para a implantação
da reforma agrária foi à criação, em abril de 1962, do Conselho Nacional de
Reforma Agrária integrado por Dom Hélder Câmara, Pompeu Acióli Borges, Paulo
Shilling e Edgar Teixeira Leite. Essas iniciativas, no entanto, mostraram-se
pouco frutíferas, em virtude das dificuldades existentes para a concretização
das medidas. As discussões giravam em torno da alteração do artigo 141 da
Constituição, que previa o pagamento de indenização prévia em dinheiro para
desapropriações por interesse público. As forças de esquerda defendiam desta
emenda constitucional com o pagamento em títulos da dívida pública, mas os
grupos conservadores não aceitaram. Era o processo de construção de uma
modernização conservadora que se configurava.
Surgia assim uma significativa violência no campo. A
possibilidade de um retorno da política varguista, ou de seus sucessores
vinculados ao PTB para destruir, definitivamente, o mundo do mandonismo rural e
a velha tradição que regulava com exclusividade as relações sociais no campo,
com os ruralistas impulsionados no armamento de milícias, partidos e de polícias,
na violência contra os camponeses.
Para amenizar esta relação de poder com as formas
tradicionais de exploração, o governo começou a colocar em questão as condições
dos camponeses, e alguns proprietários rurais
passaram a entender que a CLT( Consolidação das Leis Trabalhistas), poderia
ser um instrumento de modernização
operada pelo Estado.
Mas não foi suficiente, pois, desde 1961 havia uma agudização
das crises de abastecimento, inflação alta e parcelas das camadas médias urbanas
pressionavam o governo para pôr em prática uma política de controle eficiente
de preços e aluguéis que estancasse a perda crescente de poder aquisitivo.
Simultaneamente, o jovem proletariado industrial brasileiro exigia aumentos
salariais que repusessem o valor real do salário. O primeiro passo em direção
as reformas de base foi o Estatuto do Trabalhador Rural, aprovado apenas em
1963 como produto direto da criação em 1962 da SUPRA – Superintendência de
Política Agrária, que estendia aos trabalhadores do campo garantias e direitos usufruídos pelos
trabalhadores urbanos, retomando medidas adotadas por Getúlio Vargas em 1944 e
1945. O teor básico do Estatuto do Trabalhador Rural consistia em assumir as
teses referentes à generalização do assalariamento no campo, e ao invés da redistribuição
de terras, a extensão dos direitos
trabalhistas.
Os partidos políticos que estiveram em cena contra estas
medidas e contra uma maior intervenção do Estado na economia – estavam os
liberais da UDN, partido urbano, de feições modernas, defensor dos interesses
empresariais, e uma parcela do PSD, mais conservador, com bases rurais
profundas no nordeste e em Minas Gerais, e temiam a iniciativa de reforma
agrária do governo reformista de João Goulart.
Temia-se particularmente
a extensão de direitos trabalhistas e sociais aos assalariados do campo, temendo junção entre trabalhadores urbanos e rurais
que lutavam pelas chamadas Reformas de Base.
No entanto, os planos governamentais dos ruralistas escondia também
uma política de indenização aos grandes proprietários. Assim, a CRC – Companhia
de Revenda e Colonização de Terras do Estado de Pernambuco teve por meta,
assentar mil colonos por ano, o que lhes assegurava uma existência mínima de
dois séculos, dado que a comissão encarregada de localizar engenhos para
expropriação, mediante pagamento imediato, estava constituída de um
representante do Estado, um da CRC e um dono da terra. Em suma, mesmo anunciando
este tipo de reforma agrária, conseguia-se indenizar os proprietários falidos. Um
exemplo disso se refere a um lote de terra que em moeda deste período, e avaliado no máximo por Cr$ 6.000.000,00 era comprado pela CRC por
no mínimo Cr$16.000.000,00.
Bloqueado o caminho inicial no Congresso Nacional, através
dos projetos regionais de desenvolvimento, Celso Furtado, ministro de
planejamento em 1962, elaborou bases
para o Plano Trienal, que, no tocante à agricultura, propunha: A imunidade de
pagamento de renda sobre a terra economicamente utilizada para o trabalhador
que, durante um ciclo agrícola completo, tivesse ocupado terras virgens e nelas
permanecido sem contestação; Garantia de terras para trabalhar, ou de trabalho
para o trabalhador agrícola foreiro ou arrendatário, por dois ou mais anos em
uma propriedade; Imunidade de pagamento de renda sobre a terra para o
trabalhador que nela auferisse rendimento igual ou inferior ao salário mínimo a
ser fixado regionalmente; desapropriação para pagamento a longo prazo, de todas
as terras consideradas necessárias à produção de alimentos que não estivessem sendo utilizadas ou que o
estivessem sendo utilizada para outros fins.
No entanto, diante do
impasse entre a direita e a esquerda com projetos antagônicos, com demandas
sociais a beira do abismo, a ampliação da cidadania só poderia ser vista como
crise entre o Estado e os segmentos sociais que tradicionalmente controlavam a
riqueza do país. A incorporação dos trabalhadores rurais, entendida pelo Estado
e pelos setores reformistas com a extensão da legislação social ao campo,
constituiu a crise política da década de 60. É no nordeste, e em especial na
zona canavieira, que a questão agrária se tornou mais crítica. A desigualdade que
separava o trabalhador rural do trabalhador fabril estava esgarçada. Ao mesmo
tempo, a exigência técnica da produção e da concorrência internacional, numa
economia cada vez mais competitiva, implicava corte de gastos e de representação
apenas conservadora e liberal para investir na modernização dos processos
produtivos. Estes segmentos dominantes do mundo rural preferiram, contudo,
aplicar a solução antiga: a produção extensiva da terra e submissão do
trabalhador rural. Foi no nordeste que se concentrou o mais baixo índice de
incorporação de tecnologia à agricultura. Era mais fácil explorar mão-de-obra
abundante do que investir capital na modernização das suas usinas. Era a
continuidade do escravismo colonial em tempo presente.
Só quando são tomadas medidas drásticas contra a
superexploração, é que os usineiros procuraram investir em máquinas e
equipamentos. Por isso, para completar as Reformas de Base, estas deveriam ser
enviadas ao Congresso Nacional que incluísse um projeto de Reforma Agrária. No
entanto, a violência se aguçou. As polícias políticas ganharam força como na
criação do DOPS e na ampliação de seus procedimentos, ações armadas contra
movimentos sociais, investigação e infiltração, que foram organizadas como braço armado do Estado
em diversos estados e ganhou força política na então Capital política do Rio de
Janeiro sob a liderança de Carlos Lacerda.
Esta crise da
democracia se agravou e o presidente da República João Goulart, fez um último
comício na estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde se
encontrava ao lado de Miguel Arraes e Leonel Brizola. Neste discurso, Goulart
prometera erradicar do País a “estrutura economia superada, injusta e desumana existente”.
A proposta do presidente era que “não era lícito manter terra improdutiva por
força do direito de propriedade”. O comício fazia parte de uma estratégia de
João Goulart no apelo as massas urbanas para pressionar o Congresso em direção
as reformas. O projeto de Reforma Agrária não chegou a ser votado. Era tarde
demais. Na madrugada deste mesmo dia, entre 31 de março e 1º de abril de 1964, os
tanques do exército estavam nas estradas de Minas Gerais e Pernambuco, sob a
conspiração dos governadores Magalhães Pinto – MG, Carlos Lacerda – RJ, Ademar
de Barros – SP, e amplo apoio dos Estados Unidos que em aliança, derrubaram a frágil democracia vigente com uma população
rural e urbana sem condições de contrapor aos projetos dominantes.