Com a proclamação da República uma nova Constituição instituiu o modelo político que entraria em vigor a partir daquele momento. Mesmo com a mudança na forma de governar, algumas práticas foram mantidas, pois a mudança do modelo político não garantiu a alteração de práticas políticas e sociais, e sim o contrário.
Neste sentido é que a Constituição de 1891 estabeleceu eleições diretas com voto aberto para todos os cargos dos poderes Legislativo e Executivo. Os direitos políticos (direito de votar e ser eleito) eram restritos somente aos Homens e alfabetizados, que neste momento corresponde apenas a 20 por cento da população.
Ainda por cima, o voto por ser aberto permitia manipulação por parte das lideranças locais - “os coronéis” - daqueles que seriam eleitos. Assim, haviam grandes alianças em todas as esferas políticas que eram marcadas pelo autoritarismo local, seja com o juiz de paz que se tornara juiz da cidade e era também um membro da igreja e também detinha o arbítrio policial.
Nesse cenário que se desenhava na República, que muito se assemelhava as práticas do Império, algumas revoltas ocorreram.
O povo, como se verá, não assistiu aos desmandos do Estado de forma imparcial nem mesmo bestializada.
No meio Urbano, em 1904 ocorreu no Rio de Janeiro, então capital federal, a Revolta da Vacina. Mesmo sendo a capital do país, no Rio de Janeiro havia condições de insalubridade, com muita miséria nas suas ruas estreitas. Os cortiços eram uma das principais formas de moradia para as classes mais pobres.
Esse cenário foi favorável para a expansão de epidemias de doenças como Febre Amarela, Varíola e Malária.
Diante disso, o então presidente Rodrigues Alves nomeou Pereira Passos como prefeito da cidade do Rio de Janeiro para fazer sua modernização.
Dentro dessa modernização, ruas foram alargadas com a construção da Avenida Central, atual Rio Branco e morros foram derrubados (morro do Senado e do Castelo); e prédios públicos foram construídos, etc.
É neste contexto que se iniciam as primeiras favelas no Rio, quando a população que foi expulsa de suas moradias por conta destas obras do " Rio bota abaixo".
Assim, as classes mais pobres sobem os morros em busca de nova moradia, já que o governo não proveu esse tipo de assistência desde o fim da abolição.
Além das reformas de saneamento, saúde e educação, era necessário acabar com as epidemias que cada vez mais se espalhavam, e para isso o presidente propôs obrigatoriedade da vacina, realizando essa medida de forma autoritária, sem previamente expor para a sociedade a importância da vacinação.
O descontentamento com a derrubada dos cortiços e a violência se agravou com o autoritarismo do governo na vacinação.
Essa situação gerou grande resistência por parte da população (vários segmentos, inclusive militares, intelectuais e a imprensa).
Desse modo, quando a obrigatoriedade efetivamente foi publicada, uma revolta eclodiu no Rio de Janeiro.
Durante 4 dias houveram muitas manifestações populares sem que a polícia conseguisse conter.
Prata Preta, capoeirista e trabalhador da estiva, além de Manduca, capoeirista do Bairro da Saúde são nomes de revoltosos conhecidos. Derrubaram bondes no largo do Rossio, jogaram sacos de rolha contra os cavalariços embalados e, numa multiplicidade de iniciativas, enfrentaram a polícia municipal, o Corpo de bombeiros e batalhões do Exército chamado às pressas.
A repressão policial foi muito violenta. Efetivos de outros estados também foram recrutados. Os manifestantes que eram presos foram jogados em porões de navios e enviados ao Acre. Inclusive o capoeirista Prata Preta.
A vacinação obrigatória acabou por ser suspensa e outras epidemias ainda ocorreram após esse episódio até que o governo conscientizasse a população da importância da vacinação coletiva.
No bairro da Saúde, reduto de homens e mulheres vindos especialmente da Bahia, a resistência foi enorme.
Já em 1910, houve a Revolta da Chibata, também no Rio de Janeiro. Os marujos da Marinha do Brasil reivindicavam melhores condições de trabalho: soldos melhores, alimentação e jornadas de trabalho menos excessivas; assim como o fim do castigo físico (uso da chibata).
Liderados por João Cândido, os marinheiros prenderam oficiais e miraram os canhões dos navios para a cidade do Rio de Janeiro, como formas de requerer melhorias. O Congresso Nacional negociou com os revoltosos e concedeu as melhorias e anistias, porém nada mudou.
Em uma segunda tentativa de revolta, muitos marinheiros foram presos, inclusive João Cândido. Eles foram detidos em navios e mandados para Amazônia, porém muitos deles morreram ou foram executados no caminho até lá.
Assinam este texto, além da Professora Fabíola Camargo, a estagiária em Prática de Ensino, Clara Carvalho.
Fontes:
CARVALHO, José Murilo de. “Cidadania: Tipos e Percursos”, “Estudos Históricos”, vol. 9, n. 18, 1995, p. 338-339.
CARVALHO, José Murilo de. "Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina" In Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
MOURA, Roberto. “Tia Ciata e a Pequena África do Rio de Janeiro. 2ª edição, Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Divisão de Editoração, 1995.
https://revistagalileu.globo.com/sociedade/historia/noticia/2023/06/como-a-revolta-da-vacina-moldou-a-saude-publica-no-brasil.ghtml
EnciclopediaNegra/posters/Enciclopedia_Negra_PrataPreta.pdf
www.historyoffighting.com/mestre-manduca-da-praia.php