domingo, 25 de novembro de 2012

Escravidão e Racismo



Estudamos neste bimestre a relação entre a História Colonial no Brasil a partir de 1550, quando a escravidão africana começou a chegar ao Brasil.O período colonial no qual a escravidão aconteceu, foi o que deu origem ao preconceito racial no Brasil que continua até os dias atuais.
Por isso temos desde 9 de janeiro de 2003, a Lei 10.639 e em 10 de março de 2008, a Lei 11.645, na qual estabeleceu que a educação no Brasil, deve “incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
É neste sentido que precisamos conhecer a nossa História, para que o pré-conceito, ou seja, aquilo que rejeitamos sem conhecer, precisa ser conhecido e revisto por todos nós, para sabermos como ficamos tão avessos a nossa própria História que nós mesmos fazemos parte.
Na disciplina de História é que aprendemos que, se não conhecemos a nossa História, não conhecemos quem somos nós, nem o que queremos, e menos ainda, onde queremos chegar, sem que as mídias nos façam repetir os valores pensados por eles. Temos na História a oportunidade de aprender por nós mesmos, a ler a História com nossos próprios olhares.
Se estamos nos referindo a História da maioria de nosso povo, veremos como formamos essa maioria: A História dos Negros no Brasil.
Foi do Continente africano que chegou ao Brasil as diversas nações dos negros que pra cá chegavam escravizados pelos portugueses. Neste período, colonizar, ou seja, ocupar o Brasil com o o objetivo de levar as riquezas daqui como o açúcar, o café e o ouro, foi objetivo dos portugueses. E para trabalhar para eles, escravizar outras pessoas foi o que pensaram para um trabalho duro e difícil.
Do continente africano, os povos Congo-angola e do Golfo da Guiné (atual Nigéria) vieram a maior parte dos negros em todo os Brasil, os povos de língua Banto.
Foram as nações Banto do Continente africano que influenciaram a nossa cultura com os diversos sambas, as danças dramáticas, cortejos, cucumbis, as escolas de samba, a capoeira, o maculelê, a congada, os maracatus, os afoxés e ainda, algumas técnicas de trabalho e alimentos como o pirão, o angu e o quibebe. Além de dar nome de Mocambos, os Quilombos, foram alguns dos diversos nomes que conhecemos no Brasil, criados pelos negros como forma de fugir e resistir à escravidão.
É do Oeste africano que recebemos a influência feminina dos turbantes, saias rodadas, batas de renda, colares, pulseiras, características da indumentária das baianas de tabuleiro. Do Oeste-africano recebemos também as primeiras concepções filosóficas e doutrinárias como o candomblé trazidos pelos negros de origem Mina, e a umbanda e se fixaram primeiramente no Maranhão e na Amazônia.
A chegada dos Negros vindos da Africa pelo Rio de Janeiro, que aportavam na Praça Mauá até a Praça XV dos dias atuais, encontravam nas ruas os negros de diversas nações com diversas formas de trabalho escravo: Haviam os negros de ganho, que vendiam quitutes para um “senhor”. Assim faziam os quitutes, vendiam nas ruas do centro da cidade e levavam o dinheiro no final do dia. Estes negros conheciam outros negros, e seus fregueses lhes traziam muita informação. Estes negros ajudavam a espalhar notícias sobre negros fugidos, e rebeliões entre outras. Haviam nestas ruas do centro da cidade os curandeiros, negros que curavam com plantas as doenças que traziam das viagens em condições precárias e, quando não morriam, os tratamentos que os negros conheciam curavam os infermos que em seguida seriam vendidos em praça pública, aumentando o preço do negro mas também curando-o das doenças. Os negros que eram açoitados também passavam pelos curandeiros que faziam ficar de pé, muitas vezes, negros de mesmas nações que de alguma forma não aceitavam as condições de vida da escravidão. Os barbeiros também ficavam em tendas para vender seus trabalhos que rendiam a riqueza da colonização dos europeus, o escravo. O Zungu também fica livre em praça pública. Eram chamadas casas de Angu, as residências e estalagens para os negros que não estavam cativos em casa de senhores.Eram escravos de ganho e “pessoas de cor” livres ficavam ali abrigados.
Por fim os capoeiras ficavam perto de igrejas e saíam em festas religiosas, se instalavam próximos ao porto, se defendiam contra a polícia e contra os capatazes dos senhores e assim resistiam e lutavam contra os maus tratos.
Nos campos, os negros escravizados também enfrentaram a escravidão. Sabemos que o limite da negociação entre negros e senhores eram os açoites. Por isso os negros dificultavam o açoite, a palmatória e outras formas de tortura entre seus pares como podiam. A culinária, a religião, as danças, a capoeira, foram formas de sobreviver a escravidão. Os casamentos entre escravos de mesma nação foi uma forma dos negros não morrerem tão cedo, mas também foi mais uma forma de escravizar, desta vez, seus filhos . Mas a possibilidade de sobreviver na escravidão era ter seus pares ao lado.
A culinária dos negros era admirada pelos portugueses. As mulheres negras que entravam na Casa Grande dos Senhores para cozinhar eram tratadas de forma especial e traziam os segredos da culinária africana como forma de dificultar os açoites anunciados pelos senhores, quando carregavam no óleo de dendê e na pimenta dos capatazes e senhores.
No entanto, temos nos Quilombos, as maiores construções dos negros para fugir da sociedade escravista. O mais conhecido foi o Quilombo dos Palmares. Apesar de ainda hoje existir mais de dois mil quilombos no Brasil, o Quilombo de Palmares foi um dos maiores do Brasil. Sob liderança de Ganga Zumba e depois por Zumbi dos Palmares, foi por sua vez, uma das maiores lideranças na luta contra escravidão no Brasil. Além de receber escravos fugidos, os quilombos tinham vida política e econômica própria. Mas foi sob a liderança de Zumbi que o regime escravista foi posto em perigo. Zumbi dos Palmares e os quilombolas libertavam os negros da escravidão abrindo senzalas de diversas fazendas. Isto fez com que as elites coloniais se unissem e derrubassem o quilombo matando Zumbi dos Palmares em 20 de novembro de1695.
É neste dia que comemoramos o Dia da Consciência Negra. Em Homenagem ao líder Zumbi dos Palmares. Esta comemoração nos dias atuais tem servido às reflexões sobre a necessidade de nos conhecer e conscientizarmo-nos sobre a História do negro na sociedade brasileira que se choca com o racismo e a discriminação que levou muitos séculos para ser reconhecida. O reconhecimento de que existe racismo, e olhar para nós mesmos como participantes da História do paí tem sido uma possibilidade de começarmos a conhecer uma parte importante de nossa própria História e mais ainda, de construirmos a História que queremos para todos nós.
                                                                                                                              Fabíola Camargo.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Abuela Grillo: Um canto que explica a História 
Animação dirigida por Denis Chapon com produção da Bolívia e Dinamarca em 2010, esta é uma história contada milenarmente pelo povo indígena Ayoreo, que se encontra na fronteira entre Paraguai e Bolívia. A música "Chillchi Parita" presente na animação de doze minutos foi cantada por Luzmila Carpio, que em 21 de abril de 2006, foi nomeada embaixadora da Bolívia para a França pelo presidente boliviano Evo Morales. A música cantada por Luzmila é de origem Quéchua - termo coletivo para diversos indígenas da América do Sul. O uso da língua quéchua entre os povos indígenas latino –americanos, são falados desde antes dos incas que, ao invés do uso da língua européia espanhola – país que participou da destruição indígena nas Américas para a colonização – ao contrário, Luzmila Carpio pensa o uso da música não para render dinheiro, mas para usar a sua música como expressão de rebeldia contra o predomínio de formas ocidentais de dominação cultural sobre os indígenas, e mostrar que este mundo até agora subordinado também tem contribuição a dar, para construir relações mais harmoniosas entre os povos do mundo. Nesta narrativa, Abuela fora convidada a festejar a colheita do milho numa das comunidades indígenas. E como uma anciã, a mais velha e com mais sabedoria entre as tribos, Abuela em seu cantar fazia chover. A chuva fazia o alimento brotar e todos comemoravam a colheita em comunidade. Mas Abuela foi expulsa da comunidade porque seu cantar fez chover demais. Abuela então, saiu cantando pela estrada em direção a cidade fazendo brotar em todos os lugares por onde passava: Chegou numa cidade toda de concreto e começou a fazer brotar... No entanto, dois Homens de terno e gravata pegaram Abuela, aprisionaram-na e fizeram-na cantar num palco, enquanto uma nuvem presa era espremida dentro de garrafas. A água caída nas garrafas passou a ser propriedade privada de dois capitalistas. O povo passou fome, comprava apenas uma garrafinha de água dos capitalistas, o que não supria suas necessidades e ainda ficava cada vez mais cara. Enquanto o chão rachava por falta d’água, os bichos morriam de sede. Mas Abuela tentou fugir, e um dos camponeses viu o que aconteceu, e contou prá toda a comunidade. Mas os capitalistas que precisavam lucrar mais trataram Abuela violentamente. Até que toda a comunidade se uniu e Abuela compreendeu o que estava acontecendo. Desta vez cantou mais alto que pode, e fez chover forte. Então houve uma fusão, um reencontro entre os Seres Humanos e a Natureza e entre Abuela e sua comunidade: Desta vez, a água foi valorizada. Plantavam-se em terraços, e na cidade, tudo passou a florir e brotar. As comunidades no campo também festejaram a volta de Abuela, oferecendo-a o milho, daí foi acolhida por sua comunidade, que desta vez também compreendia seu canto, e a importância da Harmonia entre a Natureza e os Homens. Para estes povos, no principio havia uma avó, que era um grilo chamado Direjná, relacionado a origem dos povos indígenas e ao respeito aos anciãos como contadores das histórias indígenas  nas centenas de gerações que ainda se mantém viva através da cultura do respeito ao mais velho, que resguarda a sabedoria de um povo ou de uma cultura. Trata-se de um tema fundamental nos dias de hoje, já que se refere a luta dos povos indígenas latino-americanos ( incluindo o Brasil) contra a re-colonização da terra. Enquanto os países mais ricos ditam as regras do Sistema que gera riqueza, lucro e poder a qualquer custo como base do Sistema Capitalista que vivemos, os povos de todo o mundo lutam contra a destruição do meio ambiente que se apresenta para alguns governos nos países da América Latina como forma de obtenção de riqueza e poder, que ao custo da destruição da terra, ora por venda de matéria-prima a preços altos para europeus e estadunidenses, ora destruindo com venenos, inseticidas e pesticidas que contaminam a terra e os alimentos. São os mesmos que se valem da violência e da destruição da educação para se manterem governando. Para os povos indígenas, até os dias de hoje o alimento da terra é um bem sagrado assim como tudo que se relaciona com o meio ambiente onde vivem até hoje: Para estes povos, a água que corre no rio tem o sangue de seus ancestrais e por isso é como se fosse irmã, sagrada entre os indígenas.
Fabíola Camargo.
 Fontes:
 http://abuegrillo.blogspot.com.br
Renshaw, J."A eficácia simbólica" revisitada. Cantos de cura Inayoreo. Revista Antropologia vol.49 no.1 São Paulo Jan./June 2006.
 www.etnolinguistica.org 
 www.luzmilacarpio.com/

Colonização no Brasil
Existem vínculos que mantém  unidos  indivíduos de ambos os sexos  e de todas as idades. Eles podem  ser de cooperação, de hierarquia, de compromisso, de interesses comuns, de obediência ou de submissão. Tais vínculos estabelecem o modo como as pessoas  se relacionam.
 Os indígenas vivem em cooperação. Não lhs falta alimento. E se faltar o sistema é de cooperação. Uns cooperam com outros para continuar vivendo e valorizando suas vidas e seus costumes.
 Chamamos de sociedade o conjunto de relações  entre indivíduos. Portanto, falar em sociedade  não é pensar  em grupos isolados de pessoas, mas nas relações que existem entre elas. Um agrupamento de homens e mulheres pode ser reunido, dispersado, fotografado. A sociedade não, ela reúne pessoas por meio de instituições e de uma cultura comum.
No Brasil Colonial, a propriedade de terras e de pessoas marcou  as relações sociais  e dividiu a sociedade em senhores e escravos. Ao primeiro grupo pertenciam os proprietários de engenho,  os exploradores  das minas, os pecuaristas, os fazendeiros de tabaco  e de algodão.Muitos vinham  de famílias  pobres ou eram  nobres arruinados  em Portugal. Aqui no Brasil, tornaram-se  donos de terras e de escravos.
 Já esses últimos estavam sujeitos  a seu senhor; eram considerados mercadorias, podiam ser vendidos. No entanto, traziam da Africa costumes e culturas e fugiam  aquilombados.
 O poder  que os senhores  tinham sobre escravos refletia-se  em todas  nas pessoas  que viviam  a seu redor e sob sua dependência. Os senhores exerciam  uma forte autoridade não apenas sobre  seus familiares, mas também sobre os empregados livres da fazenda, os pequenos  comerciantes que abasteciam  a casa e até  sobre o padre que atendia  a família.
Os senhores eram temidos, respeitados e obedecidos. Davam ordens  e decidiam  o destino dos escravos, dos filhos , da casa e influenciavam  até  nas decisões  das vilas vizinhas. Tinham poder  das leis, da igreja e da economia em seu início, principalmente.
Esse modelo de colonização nem sempre foi obedecido, mesmo assim a colonização  durou entre 1500 até  1700. A possibilidade de destruição do sisetma colonial e de sua opressão  aconteceu durante todo o período com as revoltas  dos indígenas e dos negros. Além disso  esses povos  resistiam  ser colonizados como os quilombolas, ou  através  de pequenas negociações, conflitos,  ou pela cultura.
A  vida política das vilas  e cidades  também era decidido pelos senhores, considerados os homens bons da colônia. As demais populações da colônia  não era reconhecida como cidadã, ou seja,  não deveria ter  direitos.
 A colonização ainda permanece na cabeça  de muitos nos dias de hoje. Não conhecendo seus direitos e  não lutando por outros. Os colonizadores  de hoje em dia, ainda ditam regras através dos meios de comunicação, como pela  TV ou internet,  propagando sua política através  das novelas, da moda, da religião, dos costumes e culturas.
 Adaptado  de DOMINGUES, Joelza E. “ História em documento” 7º ano, Ed. FTD, SP,2009.


O mito da caverna
Na Grécia Antiga, entre o século V  e  IV a.C foi quando os pensadores passaram a investigar  as questões humanas. Este período é marcado pelo surgimento da cidade de Atenas. Em função de o Filósofo Sócrates ter dado a maior contribuição ao conhecimento, este período passou a ser denominado Socrático. Sócrates preocupou-se com as causas das ilusões, dos erros e da mentira. E em busca da  verdade, utilizou as perguntas que até hoje norteiam  o caminho para o conhecimento: O que, onde, quando, qual e como. Com sua morte, Platão prosseguiu este estudo distinguindo crença, ilusão e aparência, diferenciando-as da essência e da realidade, que deveriam  fazer parte da constituição do Ser Humano. Por isso e para contar a História de Sócrates como parte da própria História do Conhecimento, Platão escreveu um dos mitos mais importantes sobre a origem  do conhecimento: O Mito da Caverna.
O Mito da Caverna  foi contado por Marilena Chauí, uma das maiores filósofas de nosso tempo, que  tanto nas Universidades, quanto  escrevendo livros didáticos para escolas, contribuiu para que todos tivessem acesso ao conhecimento  e de  como se faz História:  Imaginemos então, uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, ou seja, na sombra,  enxergar o que se passa no interior da caverna. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. No exterior, portanto, há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda luminosidade possível é a que reina na caverna.
Para Platão, seguidor dos ensinamentos de Sócrates, as perguntas são a possibilidade de encontro com o conhecimento. Ele escreve então os ensinamentos do seu mestre Sócrates através do “mito da caverna” e suas perguntas que levam ao conhecimento: E se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Sócrates então seguia o percurso de suas  perguntas e testava suas respostas: Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando-se com o caminho da luz, nela adentraria. Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade.
Desta vez, libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros  o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade?
Dessa forma, Platão continua a História: O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos sem conhecê-las. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? Aquele que busca conhecimento verdadeiro. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo? Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense, pois imaginam que  a sombra ou a meia verdade é o mundo real e o único verdadeiro.
Fabíola Camargo.
Bibliografia: CHAUÍ, Marilena, “Convite à Filosofia”. Editora Ática,1998.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Os Indígenas hoje: A solução e os problemas do capitalismo


Em relação a construção de uma Usina hidrelétrica na Amazônia, está sendo construída às custas de boa parte de nossas reservas ambientais e de nossos povos indígenas. As grandes empresas internacionais, ou seja, os grandes capitalistas, estão investindo na maior Usina Hidrelétrica da América Latina, projetada durante a ditadura civil-militar no Brasil em 1975. No entanto, as consequências desta construção se referem a destruição de Belo Monte, onde vivem diversos povos indígenas que defendem as últimas reservas ambientais do planeta. A inundação dos igarapés da cidade de Altamira e Ambé e parte da área rural de Vitória do Xingu, a redução da vazão da água do rio do Grande do Xingu e interrupção do transporte fluvial até o Rio Bacajá, único acesso para comunidades ribeirinhas e indígenas com  o remanejamento de mais de 20 mil famílias de moradores da periferia de Altamira e da área rural ,  o impacto em cerca de 350 famílias ribeirinhas que vivem em reservas extrativistas, além da alteração do rio sobre os os animais e o sustento da população com redução do fluxo da água são algumas consequências imediatas desta obra. Em relação às populações indígenas, todas as 24 nações e tribos de diferentes culturas que ocupam 30 terras Indígenas na Bacia do Xingu, 12 no Mato Grosso e 18 no Pará, seriam direta ou indiretamente afetadas à medida que o Xingu e sua fauna e flora, além do seu entorno, fossem alterados pela usina. 
Na região de influência direta de Belo Monte, três Terras Indígenas seriam diretamente impactadas: a Terra Indígena de Paquiçamba, dos índios Juruna, e a área dos Arara da Volta Grande, que se situam no trecho de 100 km do rio que teria sua vazão drasticamente reduzida. Já a área indígena Juruna fica às margens da rodovia e seria fortemente impactada pelo aumento do tráfego na estrada e pela presença de um canteiro de obras.
O Evento realizado no Rio de Janeiro, a realização da Cúpula dos Povos, discutiu  Justiça Social e Ambiental, que se colocou contra a mercantilização da vida( Ser Humano como mercadoria ) e em defesa dos bens comuns e  teve como tema central, denunciar as causas da crise socioambiental, se referindo ao próprio Sistema Capitalista, apresentar soluções práticas contra a venda de estados e municípios inteiros negociados com os países ricos reunidos na Rio + 20 que se interessam por matérias-primas de países como o Brasil, já que boa parte da Europa e dos Estados Unidos tem o seu meio ambiente e suas riquezas naturais destruídas com a industrialização e a matança de povos indígenas e camponesas desde o século XVIII até os dias de hoje para formar e manter o  Sistema Capitalista  que continua sua existência, destrói parte da humanidade e do planeta.

Fontes:
Instituto Socioambiental (ISA)
cupuladospovos.org.br

sábado, 16 de junho de 2012

As Sociedades pré-colombianas



Catorze  mil anos antes da chegada de Colombo, já existiam diversas sociedades nas américas. Mas com a chegada de Colombo, Pizarro e Cortéz, enviados pelos governos europeus para saciar  a vontade  de acumular ouro e prata  e cristianizar, só no ano de  1492 foram mais de  8 milhões mortos,  que ao fim dizimaram  70 por cento  da população indígena nas Américas. No entanto,  é possível resgatar esta história, e de como se formou.
Tínhamos  nas Américas, a Sociedade de coletores  e caçadores e que eram em sua maior parte , nômades. Estes povos  viviam num determinado  lugar  durante  o tempo que havia  alimento. Quando a fauna  e o plantio não eram suficientes porque  ficaram escassas, estes indígenas se mudavam em busca de outros lugares para que pudessem  continuar a  viver da caça e da pesca.
Por isso alguns destes povos descobriram a irrigação, ou seja, o plantio de alimentos  aumentou  em toda a terra plantada, pois a água percorria caminhos  em forma de buracos que permitiam  que chegassem em extensões  maiores de terra  plantada, regando extensões  maiores   para a agricultura.
 Assim fundaram  também a Sociedade de cultura de subsistência, pois a irrigação possibilitou  ao indígena  a permanência  na terra . A cultura  e a religião ganhou significado importante em suas vidas  e para os dias atuais. Para  o indígena a terra  é sagrada, pois  é onde  nasce toda a vida.
 Em função do  plantio  poder alimentar cada vez melhor  a população, a mesma cresceu.
 Dessa forma, os indígenas  passaram  a fazer artesanatos e criar obras de arte em geral .Planejaram grandes cidades  e ao contrário dos europeus, criaram  cidades grandes e planejadas  com construções de pirâmides  e estradas pavimentadas. Daí  bibliotecas,  artesanatos, construções de prédios, estudo da matemática e da astronomia permitiu  o nascimento das  Sociedades  avançadas com produção agrícola excedente como as   Sociedades Incas , Maias e Astecas.
Fontes:
CARDOSO, C.F. “ América pré-colombiana” Ed. Brasiliense, 2004.
SCHMIDT, M. “Nova História crítica da América” Ed. Nova Geração, 1996.



sábado, 9 de junho de 2012

Os Incas, Maias e Astecas



Os Incas construíram um grande Império. Era uma sociedade desigual. Daí promoviam guerras para dominar  outros povos. Assim fizeram  com os povos Chim  que dominavam as técnicas  artesanais, e com os povos Chavim, que conheciam e fizeram grandes construções  e dominavam as técnicas  de construção de prédios. Isto há mais de 14 mil anos atrás. Mas os Incas  não destruíam   os povos  e as culturas que dominavam. Utilizavam-na para crescer. Obrigavam-lhes a trabalhar  para os governantes incas que cobravam a Mita, um imposto (tributo) por dia de trabalho.
O governo Inca  era do Imperador. Eles adoravam o Sol como um Deus. Haviam  os curacas que ajudavam a governar, e os aylus ( aldeias onde viviam os Incas) para que o  poder  do imperador ficasse mais forte  e rico cobrando impostos e guerreando.

Já os povos Maias  se localizavam onde é  o Sul do México, Guatemala, El Salvador, Belize  e Honduras. Viviam  do plantio do milho, cacau, algodão e frutas com o sistema  de coivara. A coivara  era como se  derrubava matas  para plantio e( ou) moradia, o que empobrecia o solo. Criavam abelhas e perus. A maioria  dos maias era nômade e  viviam  de forma cooperativa e igualitária, ou seja, ninguém competia, mas ajudava no trabalho  do grupo e não havia diferença social, todos tinham os mesmo direitos e deveres sem que ninguém fosse melhor tratado que o outro, ou com mais poder...Assim eram independentes, mas construíram cidades enormes, com prédios feitos de blocos de granito, pirâmides e templos enormes. Descobriram  a pavimentação das ruas com milho e eram grandes admiradores e criativos  com a escultura  em ceramica  e em pedras. Em todas as cidades maias havia bibliotecas. Desenvolviam estudos sobre plantas, realizavam cirurgias e já usavam anestesia. Faziam poesia e espetáculos teatrais. Conheceram e desenvolveram  o estudo da astronomia e criaram  o calendário solar. Tudo foi destruído  no século XVI e apenas redescoberto em 1950 pelos russos.

Os Astecas  viveram no atual México. Ao dominar  os Zapotecas, Toltecas, Olmecas e Tarascos, os astecas absorveram as culturas destes povos. Ao contrário  dos Incas, nunca conseguiram controlar  totalmente  a Sociedade. A principal cidade asteca era Tenochtitlan fundada em 1325. Totalmente planejada, diferente dos europeus, tinham praças  e avenidas pavimentadas  e monumentos artísticos. Os próprios europeus se espantavam com a beleza de suas obras. Pelos bairros amplos circulavam artesãos que trabalhavam finamente o ouro e a prata, tecelões, artistas, músicos e atores, astrônomos, poetas e mercadores, sacerdotes  e trabalhadores braçais.
 Todos os astecas  frequentavam escolas públicas, embora os filhos  dos nobres  tivessem educação especial.
As comunidades nos bairros  astecas  eram basicamente denominados calpullis. eram comunidades  basicamente rurais e cada família camponesa tinha sua terra para lavrar e eram obrigados a pagar tributos em espécie(entregando parte do que produziam). 
Os Astecas promoviam guerras e só através das guerras tinham  a oportunidade de ascensão social se não fossem filhos de governantes.


Fontes:
CARDOSO, C.F. “ América pré-colombiana! Ed. Brasiliense, 2004.
SCHMIDT, M. “Nova História crítica da América” Ed. Nova Geração, 1996. 

A festa Junina do sétimo ano: Homenagem ao Gonzagão, revelando talentos: A vida e a obra do "Rei do Baião" recitada, contada e desenhada. Oficina de fuxico e a professora aprendendo a dançar com alunas do pré técnico! Tem ensino e aprendizagem em todos os momentos!





Um mapa da chegada dos primeiros habitantes nas Américas: Com muita invenção, brincadeira, criatividade e aprendizagem. Valeu! Os sétimos anos fizeram o show!


Vídeoconferência com a Professora da UERJ, Rita Ribes. Pesquisadora sobre mídia e adolescência. Organizada pela Professora de História Fabíola e pela instrutora de informática Daiana. Primeiro bimestre de 2012.



Os primeiros habitantes das Américas
A  América foi habitada  entre 40.000 e 10.000 anos antes de Cristo(a.C. )Os primeiros  habitantes atravessaram o Estreito de Bering e se fixaram por aqui, via Alasca.
 Na Idade da Pedra Lascada( Paleolítico) a Ásia e a América encontraram-se unidas  por uma faixa de terra que desapareceu dando lugar  ao Estreito de Bering.
 O conhecimento arqueológico situa as primeiras migrações entre 40.000 e 10.000 a. C. Existem provas de que por volta  de 9.000a.C. já havia Homem na América. Os primeiros habitantes das Américas teriam vindo, portanto, da Asia Oriental, mais precisamente da Sibéria..
Foi quando caçadores e primitivos constituíram junto com animais, , uma grande corrente migratória para a América e através do Oceano Pacífico atingiram  o Continente Americano.
Dessa forma, as Sociedades primitivas pré-colombianas assumiram diferentes formas  de vida material e cultural – A Mesoamérica ( Maias e Astecas e no Altiplano peruano, os Incas.

Fontes:
CARDOSO, C.F. “ América pré-colombiana! Ed. Brasiliense, 2004.
SCHMIDT, M. “Nova História crítica da América” Ed. Nova Geração, 1996.
Olá pessoal! Posto aqui algumas atividades  que vimos  no Primeiro Bimestre de 2012.
Além dos vídeos seguidos das aulas, alguns alunos pediram que eu postasse  este vídeo,especialmente. O bom gosto de sempre que demonstra muita sabedoria, sensibilidade e vontade de aprender.   " Os fantásticos livros voadores do Sr. Lessmore":
  Um beijão e curtam bastante com a família e amigos!
Fabíola Camargo
http://www.youtube.com/watch?v=eHxebCIXavw

sábado, 17 de março de 2012

A carta de Pero Vaz de Caminha





Senhor:

Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer.

Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.

Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo:

A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março. Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grã- Canária, e ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.

Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!

E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buxos.

Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz.



Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças; e ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos

em direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez

horas pouco mais ou menos.

Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.

Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si.

E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.

Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete

vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal

grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.

Na noite seguinte, ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus, e especialmente a capitânia. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e fomos ao longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertarmos.

Quando fizemos vela, estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos. Fomos de longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.

E, velejando nós pela costa, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol posto amainaram também, obra de uma légua do recife, e ancoraram em onze braças.

E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas; e na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os logo, já de noite, ao Capitão, em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento

duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.

Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço

e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.

O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram

sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata.

Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora.

Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.

Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo.

Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.

Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e o da cabeleira esforçava-se por não a quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram.

Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus dentro; e ancoraram em cinco ou seis braças – ancoragem dentro tão grande, tão formosa e tão segura, que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar a cada um sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que eles levaram nos braços, seus cascavéis e suas campainhas. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de D. João Telo, a que chamam Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho.

Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-lhes que se afastassem e pousassem os arcos; e eles os pousaram, mas não se afastaram muito. E mal pousaram os arcos, logo saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais corria. E passaram um rio que por ali corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga; e outros muitos com eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam outros. Ali pararam. Entretanto foi-se o degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e o levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.

Então se começaram de chegar muitos. Entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam; traziam cabaços de água, e tomavam alguns barris que nós levávamos: enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todos chegassem à borda do batel. Mas junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos; e pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou

por qualquer coisa que homem lhes queria dar.

Dali se partiram os outros dois mancebos, que os não vimos mais.

Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três daqueles bicos, a saber, um no meio e os dois nos cabos. Aí andavam outros, quartejados de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos de

azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e

suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.

Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se não entendia nem ouvia ninguém.

Acenamos-lhes que se fossem; assim o fizeram e passaram-se além do rio. Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris de água que nós levávamos e tornamo-nos às naus. Mas quando assim vínhamos, acenaram-nos que tornássemos. Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles. Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não cuidaram de lhe tomar nada, antes o mandaram com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, ordenando que lhes desse aquilo. E ele tornou e o deu , à vista de nós, àquele que da primeira vez agasalhara. Logo voltou e nós trouxemo-lo.

Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por louçainha todo cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia asseteado como S. Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Nenhum deles era fanado, mas, todos assim como nós. E com isto nos tornamos e eles foram-se.

À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, em frente da praia. Mas ninguém saiu em terra, porque o Capitão o não quis, sem embargo de ninguém nela estar. Somente saiu -- ele com todos nós -- em um ilhéu grande, que na baía está e que na baixa-mar fica mui vazio. Porém é por toda a parte cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele e todos nós outros, bem uma hora e meia. E alguns marinheiros, que ali andavam com um chinchorro, pescaram peixe miúdo, não muito. Então volvemo-nos às naus, já bem de noite.

Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esperavel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique,

em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.

Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual esteve sempre levantada, da parte do Evangelho.

Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.

Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço. E

alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que aí tinham -- as quais não são feitas como as que eu já vi; somente são três traves, atadas entre si. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam não se afastando quase nada da terra, senão enquanto podiam tomar pé.

Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e fomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo, na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para lho dar; e nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.

Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.

Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem, mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas, e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos, espáduas, quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era assim vermelha que a água a não comia nem desfazia, antes, quando saía da água, parecia mais vermelha.

Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles, sem implicarem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam aos do esquife que saíssem em terra.

Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão; e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão. E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.

Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e pregação, a água espraia muito, deixando muita areia e muito cascalho a descoberto. Enquanto aí estávamos, foram alguns buscar marisco e apenas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais

vinha um tão grande e tão grosso, como em nenhum tempo vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.

E tanto que comemos, vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se apartou, e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor a mandar descobrir e saber dela mais do que nós agora podíamos saber, por irmos de nossa viagem.

E entre muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito que seria muito bem. E nisto concluíram. E tanto que a conclusão foi tomada, perguntou mais se lhes parecia bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui por eles outros dois destes degredados.

Sobre isto acordaram que não era necessário tomar por força homens, porque era geral costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois

homens destes degredados que aqui deixassem, do que eles dariam se os levassem, por ser gente que ninguém entende. Nem eles tão cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam, quando Vossa Alteza cá mandar.

E que, portanto, não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo, para de todo mais os amansar e apacificar, senão somente deixar aqui os dois degredados, quando daqui partíssemos.

E assim, por melhor a todos parecer, ficou determinado.

Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra e ver-se-ia bem como era o rio, e também para folgarmos.

Fomos todos nos batéis em terra, armados e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenavam que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais largo que um jogo de mancal. E mal desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas

setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhes davam.

Passaram além tantos dos nossos, e andavam assim misturados com eles, que eles se esquivavam e afastavam-se. E deles alguns iam-se para cima onde outros estavam.

Então o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo, passou o rio, e fez tornar a todos.

A gente que ali estava não seria mais que a costumada. E tanto que o Capitão fez tornar a todos, vieram a ele alguns daqueles, não porque o conhecessem por Senhor, pois me parece que não entendem, nem tomavam disso conhecimento, mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio.

Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, em tal maneira que os nossos trouxeram dali para as naus muitos arcos e setas e contas.

Então tornou-se o Capitão aquém do rio, e logo acudiram muitos à beira dele.

Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim.

Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinta daquela tintura preta; e o resto, tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia nenhuma vergonha.

Também andava aí outra mulher moça com um menino ou menina ao colo, atado com um pano (não sei de quê) aos peitos, de modo que apenas as perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe e o resto não traziam pano algum.

Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava, enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele a nós

quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro, que nós desejávamos saber se na terra havia.

Trazia este velho o beiço tão furado, que lhe caberia pelo furo um grande dedo polegar, e metida nele uma pedra verde, ruim, que cerrava por fora esse buraco. O Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela direito ao Capitão, para lha meter na boca. Estivemos sobre isso rindo um pouco; e então enfadou-se o Capitão e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho, não por ela valer alguma coisa,

mas por amostra. Depois houve-a o Capitão, segundo creio, para, com as outras coisas, a mandar a Vossa Alteza.

Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas, não muito altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.

Então tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde havíamos desembarcado.

Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles

folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhes ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras, e salto real, de que eles se espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se para cima.

E então o Capitão passou o rio com todos nós outros, e fomos pela praia de longo, indo os batéis, assim, rente da terra. Fomos até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima

e sai a água por muitos lugares.

E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão, que Bartolomeu Dias matou, lhes levou e lançou na praia.

Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão para outra se esquivavam, como pardais, do cevadoiro. Homem não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles querem, para os bem amansar.

O Capitão ao velho, com quem falou, deu uma carapuça vermelha. E com toda a fala que entre ambos se passou e com a carapuça que lhe deu, tanto que se apartou e começou de passar o rio, foi-se logo recatando e não quis mais tornar de lá para aquém.

Os outros dois, que o Capitão teve nas naus, a que deu o que já disse, nunca mais aqui apareceram – do que tiro ser gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva. Porém e com tudo isso andam muito bem curados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e tão formosos, que não

pode mais ser.

Isto me faz presumir que não têm casas nem moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora vimos nenhuma casa ou maneira delas.

Mandou o Capitão aquele degredado Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. Ele foi e andou lá um bom pedaço, mas à tarde tornou-se, que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nenhuma coisa do seu. Antes – disse ele – que um lhe tomara umas continhas amarelas, que levava, e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes, como de Entre Douro e Minho.

E assim nos tornamos às naus, já quase noite, a dormir.

À segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa. Em tal maneira isto se passou, que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde outros muitos estavam com moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos quais, creio, o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza.

E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados. Ali, alguns andavam daquelas tinturas quartejados; outros de metades; outros de tanta feição, como em panos de armar, e todos com os beiços furados, e muitos com os ossos neles, e outros sem ossos.

Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiros, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, de que eles

andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.

Todos andam rapados até cima das orelhas; e assim as sobrancelhas e pestanas.

Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta, que parece uma fita preta, da largura de dois dedos.

E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados, que fossem lá andar entre eles; e assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. Aos degredados mandou que ficassem lá esta noite.

Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitânia. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.

Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. Mas, quando se fez tarde

fizeram-nos logo tornar a todos e não quiseram que lá ficasse nenhum. Ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.

Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse.

E com isto vieram; e nós tornámo-nos às naus.

À terça-feira, depois de comer, fomos em terra dar guarda de lenha e lavar roupa.

Estavam na praia, quando chegamos, obra de sessenta ou setenta sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis. E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer.

Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz, dum pau, que ontem para isso se cortou.

Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam, do que por verem a Cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.

Era já a conversação deles conosco tanta, que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.

O Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia (e aoutras, se houvessem novas delas) e que, em toda a maneira, não viessem dormir às naus, ainda que eles os mandassem. E assim se foram.

Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá muitos nesta terra. Porém eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas-seixas, e pareceram-me bastante maiores

que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas; eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!

Cerca da noite nos volvemos para as naus com nossa lenha.

Eu creio, Senhor, que ainda não dei conta aqui a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, as setas também compridas e os ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns que – eu creio -- o Capitão a Ela há de enviar.

À quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às naus isso que cada uma podia levar. Eles acudiram à praia; muitos, segundo das naus vimos. No dizer de Sancho de Tovar, que lá foi, seriam obra de trezentos.

Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem mandou que em toda maneira lá dormissem, volveram-se, já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. Trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas, quase como pegas, a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos.

Quando Sancho de Tovar se recolheu à nau, queriam vir com ele alguns, mas ele não quis senão dois mancebos dispostos e homens de prol. Mandou-os essa noite mui bem pensar e curar. Comeram toda a vianda que lhes deram; e mandou fazer-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. Dormiram e folgaram aquela noite.

E assim não houve mais este dia que para escrever seja.

À quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E, em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas. Trouxeram-lhe vianda e comeu. Aos hóspedes, sentaram cada um em sua cadeira. E de tudo o que lhes deram comeram mui bem, especialmente lacão cozido, frio, e arroz.

Não lhes deram vinho, por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.

Acabado o comer, metemo-nos todos no batel e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço, e, porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pequena de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para

cima. E vinha tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí.

Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta.

Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem, o beberão de boa vontade.

Andavam todos tão dispostos, tão bem-feitos e galantes com suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui boa vontade, e levavam-na aos batéis.

Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles.

Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e de muita água que, a nosso parecer, era esta mesma, que vem ter à praia, e em que nós tomamos água.

Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela, entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homens as não podem contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos.

Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz, que estava encostada a uma árvore, junto com o rio, para se erguer amanhã, que é sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam, acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.

Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.

E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons

rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa.

Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.

Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.

Neste dia, enquanto ali andaram, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril dos nossos, em maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.

Se lhes homem acenava se queriam vir às naus, faziam-se logo prestes para isso,

em tal maneira que, se a gente todos quisera convidar, todos vieram. Porém não trouxemos esta noite às naus, senão quatro ou cinco, a saber: o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um, que trazia já por pajem; e Aires Gomes, outro, também por pajem.

Um dos que o Capitão trouxe era um dos hóspedes, que lhe trouxeram da primeira vez, quando aqui chegamos, o qual veio hoje aqui, vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados, assim de vianda, como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.

E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra, com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o lugar, onde fizessem a cova para a chantar.

Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo

do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão.

Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir, alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando-se ali nisto, vieram bem cento e cinqüenta ou mais.

Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.

E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.

Estiveram assim conosco até acabada a comunhão, depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros.

Alguns deles, por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse

alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.

Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se subiu junto com altar, em uma cadeira. Ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo dia hoje é, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, o que nos aumentou a devoção.

Esses, que à pregação sempre estiveram, quedaram-se como nós olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com

crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse a cada um a sua ao pescoço. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta.

Isto acabado – era já bem uma hora depois do meio-dia – viemos às naus a comer, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras.

E, segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que

todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais, ambos, hoje também comungaram.

Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha.

Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação.

Acabado isto, fomos assim perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.

Creio, Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite se saíram desta nau no esquife, fugidos para terra. Não vieram mais. E cremos que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a Deus, fazemos daqui nossa partida.

Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e muito formosa.

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os

achávamos como os de lá.

Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.

E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.

E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.

E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha



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