As Candaces ocuparam o poder militar e civil do Império Méroe, Núbia e
Sudão através de uma dinastia de
mulheres negras africanas e significava estabilidade e continuidade. Ocupavam–se
da formação de novas gerações, consideradas “jovens da essência divina”;
realizavam rituais para investir poderes em suas sucessoras para continuidade
do Reino – por exemplo era papel das Candaces a coroação e a adoção da nora,
para ampliar e assegurar a continuidade do Reino aportando sangue novo, sem
perder as tradições nem as origens.
As Candaces realizavam a coroação de seus próprios filhos em seus postos
de realeza; participavam da escolha do Rei e das cerimônias de transmissão de poderes;
em cerimônias rituais com símbolos de
realeza, poder. O sistema que garantia a
existência das Candaces era um sistema local dotado de uma organização
tradicional que se renovava no interior
da realeza Cush.O
Império Méroe localizava-se ao sul do Egito, banhado pelo Rio Nilo. Estas
guerreiras nasceram sob o signo da coragem para ocupar posição de poder
e prestígio. Numa conexão com as
tradições matriarcais da África, reinavam sobre seu povo por direito próprio, e
não da qualidade de esposas.
Viviam o apogeu de uma era de esplendor e
fartura, abençoadas pelo grande rio e impulsionadas pelo comércio com o Oriente
Médio. A localização do império permitia um intenso intercâmbio com outros
povos – hebreus, assírios, persas, gregos e indianos. Em suas terras, ricas em
ferro e metais preciosos, ergueram-se pirâmides e fortalezas.
Seus exércitos usavam armas de ferro e
cavalaria, ferramentas e habilidades herdadas dos povos núbios, que lhes davam
vantagem no campo de batalha. A idolatria daquela civilização pelos cavalos era
tanta que estes animais eram enterrados junto com seus guerreiros, para servi-los
por toda a eternidade. Esta imagem, misto de homem e cavalo,
alcançou a Grécia, inspirando o surgimento
da figura mitológica do Centauro. Na religião, cultuavam Apedemek, Deus da
guerra e da vitória, representado por um homem com cabeça de leão.
A prosperidade de Meroe, que deu prosseguimento
ao domínio Núbio na região, atraiu a ira dos senhores do mundo, o Império
Romano. Aqui tem início o episódio que marcou a história das Candaces.
Líderes de um movimento de resistência contra o
poderio bélico dos invasores, enfrentaram o forte exército, aliando técnicas de
guerrilha e diplomacia. Uniram seu povo na luta contra o jugo romano movidas
pela sede de justiça e liberdade.Após a invasão de Petronius, a Rainha Candace
esperou que as tropas do general adormecessem e os surpreendeu com um ataque.
Este movimento abriu a possibilidade para uma negociação diplomática, comandada
pela soberana negra. O resultado foi a retirada dos soldados romanos e a
demarcação do território de Meroe, devolvendo a paz ao seu povo. Assim foi
escrito o mais importante episódio que marcou a nobre dinastia de guerreiras
naquele império africano.
Mas os exemplos de comando e resistência de
bravas negras continuaram a florescer por outras eras e civilizações. Para além
de seus próprios domínios, emergiu a saga das Candaces, Rainhas-Mães que se
fizeram deusas, reinando na crença de suas descendentes espalhadas pela Terra,
porta-vozes da sua luta por toda a história.
Com a escravidão da modernidade, rainhas e
princesas de tribos e reinos se viram obrigadas ao trabalho forçado no novo
mundo. Mas foi ali que fizeram multiplicar o sangue Candace. Em uma terra tão
distante, ligadas ao passado, mulheres negras geraram o valor da bravura herdada
de suas ancestrais.
A palavra liberdade ganhou um significado mítico
no Brasil, dando um novo sentido à vida levada entre a clausura e o trabalho
forçado. A bravura da dinastia Candace foi eternizada pela tradição oral
africana, que tratou de espalhar aos quatro cantos os grandes feitos das suas
soberanas, inspirando a luta de guerreiras que subverteram a força dos seus
senhores e lutaram pela liberdade.
Para elas, ser livre era também reverenciar seus
costumes, reviver o passado soberano, encenar a memória dos seus antepassados.
Em folguedos, foram eternizadas na glória real da corte negra. No novo
continente, há o despertar para o misticismo trazido do outro lado do
Atlântico. A construção da identidade africana no Brasil encontra nas
celebrações e ritos toda uma reverência à mulher como mediadora entre os deuses
e a humanidade.
Na Bahia, as escravas ganhadeiras vendiam o
excedente de produção em feiras e mercados como em sua terra natal. O lucro era
poupado para comprar suas alforrias e a dos maridos, tornando-as mulheres com
voz ativa.
No chão brasileiro, era revivida a tradição das
feiras iorubanas, um espaço não só para trocas de mercadorias, mas também para
trocas simbólicas. A mulher concentrava o poder de fechar negócios, disseminar
notícias, modas, receitas, músicas, e, sobretudo, aconselhar.
Assim, tornaram-se as grandes mães negras,
sacerdotisas que tiveram suprimido o poder real na África, mas que passaram a
exercer o poder espiritual no novo mundo.
Fontes:
Adaptado da Peça teatral "Candaces: A reconstrução do fogo" de Marcio Meirelles. Cia dos comuns,2003.
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